sexta-feira, 19 de junho de 2009

João Guimarães por Carlos Drummond


Rosa...
Ontem comecei a reler "O Grande Sertão: Veredas".
Já era noite, depois de um jogo lastimável que Cruzeirenses tirariam o sono dos Sãopaulinos. Minha alegria amarga de vingança e inveja era tamanha que decidi relaxar revisitando o Sertão.

Li apenas as primeiras páginas e adormeci.
E, ao dormir com as palavras de Riobaldo, sonhei.
E só poderia sonhar com ele, com o tal Bode cara de cachorro, que sorri feito gente...
Sonhei, juro por Deus, com Diabo!

Quem nunca leu esse livro, não deveria jamais se iniciar com introduções ou textos de críticos (e muito menos com um Vale a Pena Ver de Novo da novela da globo...)! O final do livro é surpreendente mas deve ser conquistado. Se algum dia você ficar com vontade de ouvir de Riobaldo suas histórias, nã dê ouvidos a mais ninguéem! Leia o livro. Curta bastante, mesmo quando eu não entendia direito o que estava acontecendo (eu li pela primeira vez quando tinha 15 anos), continuava! Não se prenda ao significado de tudo, mas na "cavalgada" das palavras.

E nunca, N-U-N-C-A perca seu tempo com a novela da globo! Eles estragaram a minha primeira leitura (e de muita gente da minha geração)!

Termino esse papo de Corinthiana leitora, anti-novela-barata, com o começo do livro:

A edição que estou a me deliciar apresenta uma poesia publicada no Correio da Manhã dia 22 de novembro de 1922 (3 dias depois do falecimento de João Guimarães Rosa). Foi escrita por Carlos Drummond de Andrade:

Um chamado João

"João era fabulista?
fabuloso?
fábula?
Sertão místico disparando
no exílio da linguagem comum?
Projetava na gravatinha
a quinta face das coisas,
inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
para disfarçar, para farçar
o que não ousamos compreender?
Tinha pastos, buritis plantados
no apartamento?
no peito?
Vegetal ele era ou passarinho
sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?


Era um teatro
e todos os artistas
no mesmo papel,
ciranda multívoca?
João era tudo?
tudo escondido, florindo
como flor é flor, mesmo não semeada?
Mapa com acidentes
deslizando para fora, falando?
Guardava rios no bolso,
cada qual com a cor de suas águas?
sem misturar, sem conflitar?
E de cada gota redigia nome,
curva, fim,
e no destinado geral
seu fado era saber
para contar sem desnudar
o que não deve ser desnudado
e por isso se veste de véus novos?


Mágico sem apetrechos,
civilmente mágico, apelador
e precipites prodígios acudindo
a chamado geral?
Embaixador do reino
que há por trás dos reinos,
dos poderes, das
supostas fórmulas
de abracadabra, sésamo?
Reino cercado
não de muros, chaves, códigos,
mas o reino-reino?
Por que João sorria
se lhe perguntavam
que mistério é esse?


E propondo desenhos figurava
menos a resposta que
outra questão ao perguntante?
Tinha parte com... (não sei
o nome) ou ele mesmo era
a parte de gente
servindo de ponte
entre o sub e o sobre
que se arcabuzeiam
de antes do princípio,
que se entrelaçam
para melhor guerra,
para maior festa?


Ficamos sem saber o que era João
e se João existiu
de se pegar."


Carlos Drummond de Andrade - 22/11/1967

Um comentário:

  1. boa Danitchka, sem se prender ao significado, só na "cavalgada" das palavras -- esse é o galope que pega! bjs

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