terça-feira, 11 de agosto de 2009

Descrições



Pessoas


Eu devia ser bronzeada, atlética, loura — uma jogadora de vôlei ou uma líder de torcida, talvez —, todas as coisas compatíveis com quem mora no vale do sol.
Em vez disso, apesar do sol constante, eu tinha uma pele de marfim. E não tinha os olhos azuis ou o cabelo ruivo que poderiam me servir de desculpa. Sempre fui magra, mas meio mole, e obviamente não era uma atleta; não tinha a coordenação necessária entre mãos e olhos para praticar esportes sem me humilhar — e sem machucar a mim mesma e a qualquer pessoa que se aproximasse demais.
Quando terminei de guardar minhas roupas na antiga cômoda de pinho, peguei minha nécessaire e fui ao único banheiro para me lavar depois do dia de viagem. Olhei meu rosto no espelho enquanto escovava o cabelo úmido e embaraçado. Talvez fosse a luz, mas eu já parecia mais pálida, doentia. Minha pele podia ser bonita — era muito clara, quase translúcida —, mas tudo dependia da cor. Não tinha cor nenhuma ali.
(Stephenie Meyer - Crepúsculo)


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A mulher magra de sári verde estava de pé nas pedras escorregadias
e olhava as águas escuras em torno de si. O vento morno
soltava do coque alguns fios do seu cabelo ralo. Atrás dela, os
sons da cidade ficavam abafados, silenciados pelo contínuo
bater da água em seus pés descalços. A não ser pelos siris que
ela ouvia e sentia correrem pelas pedras, estava completamente sozinha ali — sozinha com os murmúrios do mar e a lua
distante, fina como um sorriso no céu noturno. Até suas mãos
estavam vazias, agora que as abriu e liberou os balões cheios
de gás, observando até que o último deles tivesse sido engolido
pela escuridão da noite de Bombaim. Suas mãos estavam vazias
agora, vazias como seu coração, que era como um coco cuja
polpa tivesse sido arrancada.
(Thrity Umrigar - A distância entre nós)


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“Vou começar lendo para a senhora”, diz a moça, uma figura esguia, toda de negro, tensa como um canivete, pousada na beira da cadeira, uma espreguiçadeira forrada com um tecido grosseiro de padrão xadrez já desbotado, com braços largos de carvalho envernizado, que Hope viu pela primeira vez na varanda da casa de Germantown, o avô sentado nela lendo o jornal, a cabeça inclinada para trás para melhor utilizar os óculos bifocais de lentes grossas, mais de... isso mesmo, setenta anos atrás, “um depoimento que a senhora fez, publicado no catálogo da sua última exposição, em 1996.”
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Hope sente um nó na garganta diante da presença daquela intrusa com sua agressividade nervosa, seu rosto pálido de citadina, suas mãos de dedos longos com unhas pintadas de negro e seu traje rigidamente negro — suéter negra de gola rulê, casaco de couro artificial negro com um zíper grande no meio, cabelo negro preso por um par de travessas curvas, de prata, e caindo solto e sedoso às suas costas, como um leque — terminando num par de calçados pesados e assustadores, quadrados, que mais parecem botas de combate, com cadarços que passam por mais de uma dúzia de ilhoses, formando duas pequenas escadas negras que sobem até as bocas-de-sino das calças, feitas de um tecido de textura fina, levemente espelhado, um tecido que Hope nunca viu antes, um tecido sem nome. As botas, com aqueles saltos altos que estão usando agora, largos quando vistos de lado porém estreitos quando encarados de frente, não devem ser muito confortáveis, a menos que agora as mulheres sempre se sintam confortáveis quando parecem homens.
("Busca o Meu Rosto", de John Updike)




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Ele tem as mãos trêmulas, olhos injetados, respira com dificuldade.

Recurvado sobre o balcão da companhia aérea, na hora de pagar a passagem, se atrapalha.

Tira do bolso lenço, chaves, antes de encontrar o documento de identidade.

(Novelas Nervosas, de Mario Kuperman)








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Era ela, elástica, com uma pele suave da cor do pão e olhos de amêndoas verdes, e tinha o cabelo liso e negro e longo até as costas, e uma aura de antiguidade que tanto podia ser da Indonésia como dos Andes. Estava vestida com um gosto sutil: jaqueta de lince, blusa de seda natural com flores muito tênues, calças de linho cru, e uns sapatos rasos da cor das buganvílias. "Esta é a mulher mais bela que vi na vida", pensei, quando a vi passar com seus sigilosos passos de leoa, enquanto eu fazia fila para abordar o avião para Nova York no aeroporto Charles de Gaulle de Paris. Foi uma aparição sobrenatural que existiu um só instante e desapareceu na multidão do saguão.


"O avião da bela adormecida", de Gabriel García Márquez)



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Mamãe tinha um rosto redondo de criança em que todas as emoções transpareciam, claras como água. Ficou com a pele enrubescida, como que queimada pelo vento, arregalando os olhos âmbar-esverdeados. Desde a morte de papai, ela se tornara um beija-florzinho de mulher, a voejar de um lado para outro.


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Toda vez que mamãe me prendia num de seus abraços ardorosos, ela me parecia um pouquinho menor, mais baixa. Desde a morte de papai, seu corpinho bem-feito, que antes parecia ter a elasticidade da borracha, vinha perdendo suas formas defi nidas. Minhas mãos depararam com pneuzinhos em sua cintura e nas costas, e notei a pele sarapintada de seus braços e seu queixo. Desde que completara cinqüenta anos, mamãe havia mais ou menos abandonado qualquer tipo de salto alto, e usava quase sempre sapatos de sola de borracha tão rasos, miúdos e arredondados na ponta, que mais pareciam sapatilhas de criança. Por um breve período, fôramos da mesma altura (um metro e sessenta, quando eu tinha doze anos), mas agora ela era uns bons centímetros menor do que eu.
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Para a ocasião, mamãe vestira uma blusinha verde-limão de tecido aveludado com calças para combinar, que ela mesma fizera. Brincos de conchas rosadas, feitos por ela numa de suas aulas de artesanato no shopping, e um colar de contas de vidro que eu tinha achado num brechó. Seu cabelo louro, já meio grisalho, tinha um corte atraente, embora discreto, e a pele exibia o
frescor de quem houvesse aplicado um creme de limpeza e depois o houvesse retirado com esfregadas vigorosas. Desde a época em que papai implicava com ela, por ter sido uma mocinha sedutora quando os dois se conheceram, mamãe ficava acanhada com qualquer tipo de maquiagem visível, e até o batom ela usava com parcimônia. Nas antigas fotos da década de 1960, do tempo em que era adolescente, mamãe certamente não parecia glamourosa.
Tinha sido, no curso secundário, uma chefe de torcida insipidamente “graciosa”, com as feições de boneca e o sorriso dolorosamente esperançoso de milhares — milhões? — de outras meninas imediatamente reconhecíveis, para qualquer cidadão não nascido nos Estados Unidos, como norte-americanas de classe média.
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Clare era uma mulher cheinha e madura de trinta e cinco anos, que parecia ter exatamente a sua idade. Talvez tivesse havido nela um rasgo de rebeldia quando menina, mas já fazia tanto tempo que nem tinha importância. Era mãe de dois filhos, os quais aceitava como uma tarefa sinistramente predestinada.
A primeira impressão que se tinha de Clare era de uma mulher bonita e sensual, mas, olhando melhor, podiam-se ver os pés-de-galinha finos e claros de desaprovação e desprezo gravados em sua pele. Seu rosto era uma perfeita lua cheia, como o de mamãe, aparentemente desprovido de ossos, de uma beleza petulante e meio propenso à flacidez. Só que, enquanto mamãe era atenta e inocente, Clare era cética. Em suas palavras, esperava o pior das pessoas e raramente se surpreendia.
Seu cabelo tinha o tom de areia molhada que era a cor natural do meu, assim como do de mamãe antes de ela ficar grisalha, e exibia um daqueles penteados permanentes de cabeleireiro de cidadezinha de interior que servem para todos os tamanhos de cabeça feminina, como as perucas do Wal-Mart. O penteado mais sensato para uma esposa/mãe atarefada que não tem tempo
para “frescuras”. Quando éramos meninas, Clare estava sempre à minha frente: inteligente, popular na escola, sensual, mas “honrada”. Agora, seguia tão adiante de mim, que praticamente havia desaparecido na linha do horizonte.
Eu não conseguia imaginar sua vida de sra. Chisholm, a não ser como o inverso da minha. É que tudo em Clare era previsível e sensato: terninho de poliéster lilás com a blusa solta, para disfarçar o engrossamento do corpo abaixo da cintura, sapatos de couro preto de boa qualidade, com um bonito saltinho. Ao contrário de meus numerosos anéis excêntricos e espalhafatosos
e dos múltiplos piercings nas orelhas, que davam a meus lobos a aparência de uma cintilação frenética, Clare usava seu anel de noivado cravejado de diamantes, junto com a aliança de casamento em ouro branco, no dedo anular da mão esquerda, como se fossem uma insígnia, e na mão direita, a gema de seu mês de aniversário (uma pérola, correspondente a junho). Seus brincos eram feixes de folhinhas de ouro, muito apropriados, provavelmente um presente de Natal do marido.
("A falta que você me faz", de Joyce Carol Oates)

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